Em cidades pequenas, geralmente com uma base de economia agrária, o anúncio do investimento de bilhões em grandes projetos, como os de mineração, celulose e hidrelétricas, costuma ser recebido como a perspectiva de portas que se abrem ao progresso. Algo como os ventos poderosos que transportaram a menina Dorothy, a personagem de O Mágico de Oz, da cinzenta Kansas para um mundo colorido e vibrante. Mas nem tudo é perfeito. Em Oz, como Dorothy acaba por descobrir, também existem bruxas más. Nessas mega implantações, os impactos positivos vêm acompanhados de outros que, sem os cuidados necessários, podem trazer impactos negativos para a vida da comunidade. O Brasil possui vários exemplos em que o sonho virou pesadelo – lugares que viram a desejada ascensão do PIB (Produto Interno Bruto) local chegar junto com a indesejada queda do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Aumento da violência, rupturas culturais, carências na educação e na saúde e o surgimento de moradias precárias, causadas pela especulação imobiliária e falta de planejamento urbano adequado, locais sem saneamento e outros serviços necessários... As “bruxas” podem vir de várias formas. Como fazer para que esses grandes empreendimentos tragam crescimento, gerem empregos, atraiam outras indústrias e serviços e demais benefícios que se esperam deles sem causar este impacto indesejável na comunidade? A resposta é: com um planejamento que começa anos antes da implantação, elaborado a partir de um princípio básico: conhecer para pertencer. Projetos de setores como os citados no início deste artigo têm como característica ficarem em operação por longas décadas. S ão casamentos de longuíssimo prazo com as cidades onde se instalam. Precisam ser cultivados desde a primeira troca de olhares, bem antes da troca de alianças. Isso significa desenvolver o projeto com a sociedade civil e não à revelia dela, ou seja, trazer para o planejamento estratégico os principais stakeholders. Para isso, é necessário ouvir a comunidade, identificar quem são as principais lideranças – a dona da farmácia, o funcionário do posto de gasolina, a professora da escola municipal etc. – e, por meio de técnicas estruturadas de escuta ativa, entender quais são as expectativas e os temores dos diferentes grupos em relação ao empreendimento. Alguns serão entusiastas do crescimento e modernização da cidade. Outros falarão do medo de perder sua cultura ou ver a pacata rotina do lugar desaparecer. Haverá ainda aqueles que temem que o potencial aumento de consumo de bens e serviço acabe migrando para a cidade vizinha, com estrutura mais atrativa para os novos moradores. Escutar a comunidade é investir no conhecer – etapa sem a qual é impossível construir pertencimento e uma relação saudável e sustentável para o empreendimento e para a comunidade. Não custa lembrar que o ‘casamento’ pode começar mal já na fase de implantação, quando esses megaprojetos podem praticamente duplicar a população da cidade. Alojamentos centralizados, distantes da área urbana e abastecidos com serviços básicos necessários, por exemplo, podem evitar o caos e minimizar os impactos de alojamentos descentralizados, instalados sob a responsabilidade de cada prestador contratado para a obra, sem padrões e governança comum e por consequente sem possuir a visão do todo e dos possíveis reflexos na vida dos cidadãos, por exemplo. Igualmente importante é a conexão com as autoridades que terão de lidar com todas as demandas de saúde, educação, saneamento básico, malhas viárias, lazer e outros aparatos públicos. Um projeto de grande porte tem de andar de mãos dadas com o plano diretor da cidade. Município, Estado e empresa têm de caminhar juntos desde a fase de planejamento e, depois, na implantação. Pular a fase de planejamento e ir direto para a implementação da obra é jogar do lado das “bruxas”: os impactos indesejados virão, pois ninguém se preparou para evitá-los ou mitigá-los. Transparência, escuta ativa, diálogo, construção conjunta de caminhos e compromissos claros são ingredientes indispensáveis da receita para demonstrar o genuíno propósito da empresa em fazer com que o melhor aconteça e construir relações de confiança. É daí que emerge uma inteligência coletiva no sentido de colocar os interesses da coletividade sempre acima do individual. E cria um senso de responsabilidade compartilhada que gera muito mais valor do que projetos que tornam a comunidade ou o município dependentes da empresa. O mapeamento propiciado pelas informações do processo de escuta da comunidade e autoridades, e o diagnóstico para entender os gaps e os pontos de melhoria tornam-se a base para traçar um planejamento estratégico consistente. Esses dados também alimentam o estudo de impacto ambiental (incluindo os relacionados a meio ambiente e os econômicos e sociais) e permitem gerar um plano de mitigação de impactos e riscos robusto em todas as frentes, que é o coração desse planejamento. Alguns planos de mitigação e riscos, não poucas vezes, são elaborados com o mesmo espírito do aluno que estuda para passar na prova e não para aprender. São centrados no objetivo de obter a licença ambiental. Estudos ambientais e planos de mitigação e riscos construídos a partir do conceito de ‘conhecer para pertencer’ são ferramentas de gestão. São nutrientes que fertilizam o solo para que o projeto seja sustentável na implantação e ao longo de toda a sua vida, fazendo florescer o econômico, o social e o ambiental. No mundo encantado de OZ, são seres mágicos que ajudam Dorothy e seus amigos na superação dos desafios. Na realidade da implantação de um grande projeto não é necessário mágica. Essencial é a conscientização de todos os stakeholders da necessidade do planejamento integrado, da construção de uma inteligência coletiva genuinamente preocupada com os interesses da comunidade, que começa com o conhecer, estabelece laços para o pertencer e tece um futuro do que verdadeiramente podemos chamar de progresso. Um futuro em que PIB e IDH seguem a mesma linha ascendente. (*)Mário José de Souza Neto é diretor de Desenvolvimento e Novos Negócios da Arauco.