Realmente ficou para 2026 a definição de temas relevantes do Direito do trabalho. Esse adiamento, contudo, não deve ser confundido com crise ou tensão institucional entre o Supremo Tribunal Federal e a Justiça do Trabalho. Divergências são naturais em um sistema democrático, e ainda mais no contexto das cortes, cuja atuação pressupõe o contraditório, o pluralismo interpretativo e o respeito às competências definidas pela Constituição. O equilíbrio entre os ramos do Judiciário nasce dessa convivência madura, e não da imposição de uniformidade artificial. O país vive uma nova transformação tecnológica e, como tantas outras vezes ao longo de sua história, o Direito precisará absorver as mudanças decorrentes do trabalho via plataformas digitais. O Direito do trabalho já acompanhou diferentes revoluções industriais e tecnológicas sem perder a capacidade de equilibrar a proteção ao trabalho e a livre iniciativa, valores fundantes da nossa República. A pejotização é outro fenômeno igualmente desafiador. Relações jurídicas formalmente estabelecidas entre pessoas jurídicas podem ser legítimas, mas também podem ocultar vínculos de emprego e servir como instrumento de fraude. Reconhecer que o trabalhador é uma pessoa cuja dignidade deve ser respeitada não é reflexo de um viés ideológico; é uma exigência da Constituição e um princípio basilar da Organização Internacional do Trabalho. O debate sobre as novas formas de trabalho envolve, inevitavelmente, o Congresso Nacional. Mas enquanto o processo legislativo não avança, cabe ao Judiciário aplicar as normas vigentes, buscando a verdade dos fatos e não apenas a aparência contratual. A Justiça do Trabalho sempre respeitou a legislação e continuará a fazê-lo caso venha nova regulamentação. Até lá, porém, a jurisdição não pode ser paralisada pela espera do consenso político. Muitos, no debate público, têm confundido — ou estão tentando confundir a sociedade — temas distintos como “uberização”, “pejotização” e “terceirização”, embora apenas este último tenha sido objeto de precedente vinculante do Supremo. A liberdade econômica deve, sim, ser preservada como motor do desenvolvimento nacional. Mas ela não pode servir de biombo para legitimar práticas que prejudicam a concorrência leal entre as empresas e fragilizam os trabalhadores. Proteger o ambiente econômico exige distinguir o empreendedorismo verdadeiro das ficções contratuais criadas para afastar a aplicação da lei. Os números crescentes de ações constitucionais envolvendo temas trabalhistas não revelam desordem, mas sim a centralidade do trabalho na vida nacional. A constante transformação das relações produtivas exige instituições especializadas, capazes de compreender e tratar conflitos complexos. Estruturas como a Justiça do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho e o Ministério do Trabalho são uma resposta civilizatória a esse desafio. Surpreende, portanto, o retorno cíclico de propostas de emenda à Constituição que pretendem extinguir essas instituições especializadas, reiteradamente rejeitadas pela sociedade brasileira nos últimos anos, como a apresentada por parlamentar que também defende a monarquia. Fragilizar essas estruturas é flertar com formas contemporâneas de precarização que, embora menos explícitas, reproduzem lógicas ultrapassadas que a Constituição de 1988 se empenhou em superar ao consolidar a República e os direitos fundamentais como pilares da vida democrática. O mundo mudou e continuará mudando. A legislação trabalhista também evoluiu, incorporando, por exemplo, o teletrabalho, novas formas de jornada e maior respeito às normas pactuadas coletivamente. O que não pode mudar é a compreensão de que trabalhadores são pessoas, não insumos de produção. Reconhecer que a Justiça do Trabalho é indispensável não é nostalgia, mas compromisso constitucional, democrático e civilizatório. O debate sobre as novas formas de trabalho envolve, inevitavelmente, o Congresso Nacional. Mas enquanto o processo legislativo não avança, cabe ao Judiciário aplicar as normas vigentes, buscando a verdade dos fatos e não apenas a aparência contratual. (*) Valdir Florindo, presidente do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo - 2ª Região.