No Bairro Vila Almeida, Algacir Rodrigues, de 65 anos, está na cadeira de fio próximo à entrada principal da residência. Na porta, ele dá boas-vindas e apresenta cômodo por cômodo da ‘Tenda de Umbanda Cacique da Pena Vermelha-Raiz’. Neste mês, o sacerdote e outros 32 médiuns da casa vivem o período da quaresma com ritos e tradições passadas de geração a geração. Algacir é umbandista desde 1974 e há 48 anos está à frente da tenda de quimbanda que ocupou diversos endereços antes de se estabelecer na Rua Presidente Nilo Peçanha. No dia da entrevista, o sacerdote de umbanda e tateto de candomblé recebeu a equipe sozinho na residência. Na quaresma, o local segue funcionando normalmente com as giras (quando médiuns incorporam entidades) de esquerda, consultas e outras atividades. É para falar da quaresma que o atual vice-presidente da Federação dos Cultos Afro-Brasileiros e Ameríndios do Estado de MS recebeu o Lado B . De primeira, Algacir faz questão de mostrar o congá (altar) onde estão imagens e estátuas que representam os orixás. Após o tour pela casa, o sacerdote explica que a quaresma não é seguida de maneira igual por todos os umbandistas. “Na nossa religião os ensinamentos são passados de pai para filho, então é diferente da igreja que tem sua bíblia e cada religião faz sua interpretação. Nós, umbandistas, não temos esse dogma e os conhecimentos são hereditários. Por isso existem muitos desencontros de informações sobre a prática da quaresma no ritual umbandista”, comenta. Outro ponto importante é que os ritos da quaresma na umbanda não tem nada a ver com o praticado na Igreja Católica, que pede aos fieis que façam jejum intensificando orações e leitura da bíblia nos quarenta dias. Enquanto uma, conforme o pai de santo, gira em torno da liberdade, a outra é uma forma de penitência. “Na umbanda, o período de quarenta dias é onde nos colocamos aos pés dos nossos orixás pedindo nossa liberdade, ensinamentos, tudo aquilo que possa trazer de melhorias na nossa vida e na das pessoas que dependem da gente”, diz. Além de fazerem pedidos aos orixás, os médiuns passam por uma limpeza astral e espiritual durante os quarenta dias. A limpeza marca um início de ano dentro da espiritualidade para os médiuns que trabalham diretamente com as entidades. Essa fase, conforme Algacir, promove uma renovação. “Ela prepara o filho para que ele tenha um ano repleto de paz, energia positiva, bons aprendizados para ele aprender a caminhar do lado correto do que tem que ser a umbanda. [...] Aquele negócio que falam que umbandista faz o mal, deseja o mal, não é verdade. Nós acreditamos que o bem tem que ser feito em qualquer situação”, afirma. Rituais - Essas reflexões, pedidos, ensinamentos e a limpeza espiritual são trabalhadas durante quarenta dias desde a quarta-feira de cinzas, mas é na sexta-feira da paixão e sábado de aleluia que os principais rituais acontecem. Os dois dias intensificam tudo que veio antes através de ritos que seguem horários e sequências bem definidas. Na sexta, os médiuns passam pelos rituais da esquerda onde são usados os banhos de abô (ervas) que contribuem no processo de purificação e fortalecimento. Rituais da esquerda no caso envolvem somente as entidades que estão à esquerda dos orixás, como exus e pomba-giras. Da quarta-feira de cinzas até esse dia todas, as giras são com as entidades dessa linha e nos demais do ano com os da direita. No sábado, os médiuns passam por uma série de rituais que começam às 5h e já não envolvem mais a linha da esquerda. Nesse dia são feitos batismo de médiuns ainda não batizados, batismos de consulentes na umbanda pela linha de Preto Velho e na sequência ocorre a gira com caboclos, baianos, boiadeiros, marinheiros, ciganos e os erês. Algacir dá mais detalhes sobre essa gira que reúne todas as entidades da umbanda. “Esses guias incorporam nos médiuns e dão o passe energético a quem desejar. São passes de purificação, limpeza, energias positivas e aí todas as linhas de entidades trabalham”. O trabalho segue até 12h quando é dado o intervalo para o ‘ajeum’, que é o momento em que os umbandistas partilham a refeição. Posteriormente são preparadas as refeições que serão ofertadas aos orixás, como: Oxossi, Ogum, Xangô, Iansã e vários outros. Na sequência é feito o ritual de ‘sacudimento’ onde os médiuns de incorporação passam pela limpeza espiritual e o banho de amaci. “O médium toma de quatro a cinco banhos com ervas diferentes, são banhos diferentes para ocasiões diferentes”, esclare. Perto da 00h, os rituais de purificação são concluídos e é iniciado outro momento da quaresma quando os umbandistas se deitam em esteiras espalhadas na casa e próximo à eles são posicionadas as comidas ofertadas aos orixás. No chão, segundo o pai de santo, os médiuns entram em transe e só despertam no domingo por volta das 5h. Na aurora, a ‘missão’ dos médiuns é deixar o barracão limpo e retornar às respectivas residências onde deverão cumprir sete dias de preceito. “São dias sem comer carne vermelha, sem bebida alcoólica, sem fumar e sem praticar sexo”, diz. O período de abstinência deve ser seguido caso contrário, segundo Algacir, tudo que foi feito antes é um trabalho ‘jogado no lixo’. Apesar da prática da quaresma divergir em algumas tendas, que optam por não trabalhar com guias espirituais nesse período, o pai de santo termina a entrevista enfatizando que os princípios da umbanda são ‘esperança, amor, fé e caridade’. Enquete - Na enquete realizada no domingo (24), o Campo Grande News fez a seguinte pergunta aos leitores 'Você já ouviu falar sobre a quaresma da Umbanda?'. O resultado revela que apenas 24% das pessoas sabiam dessa tradição na umbanda, enquanto 76% desconheciam. Acompanhe o Lado B no Instagram @ladobcgoficial , Facebook e Twitter . Tem pauta para sugerir? Mande nas redes sociais ou no Direto das Ruas através do WhatsApp (67) 99669-9563 (chame aqui) . Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para entrar na lista VIP do Campo Grande News .