A Vila Margarida é um bairro mais do que conhecido em Campo Grande. Localizada entre a Avenida Coronel Antonino e o Parque Ecológico do Sóter, a região abriga uma população antiga, daquelas que não saem do bairro por nada. Andar por suas ruas é como percorrer, a pé, uma cidade do interior, cheia de famílias que se conhecem pelo nome. Quando questionados sobre alguém, os moradores não hesitam: todos sabem de quem se trata. É o caso de José Custódio da Silva, o Seu Zé, antigo dono de um bar que deixou lembranças em muitos moradores da Vila Margarida. Ernesto Afonso, vendedor de 62 anos e ex-morador da região, por exemplo, recorda com carinho o antigo Bar dos Dez Irmãos. Era ali que se reunia com os amigos na época do segundo grau (hoje ensino médio). Mesmo adolescente, enfrentava até a polícia para continuar frequentando o bar e “jogar uma sinuquinha”. Ernesto é natural de Sidrolândia. A Vila Margarida foi o primeiro bairro onde morou e marcou sua infância e adolescência. Hoje, o antigo Bar dos Dez Irmãos funciona como Gaúcho Bar e Conveniência. Apesar da mudança de nome e de proprietário, após o falecimento de Seu Zé há alguns anos, o espaço segue vivo. Às 9h50, o local já recebe um cliente fiel. Aos 71 anos, Sérgio Portado aproveita a aposentadoria da forma como muitos sonham. “Eu já me aposentei, só quero viver e tomar minha cerveja. Para mim, aqui é ótimo. Não tem lugar melhor na cidade”, afirma. Sérgio viveu por 40 anos na Vila Margarida e, mesmo morando em outro bairro, há uma década não deixa de frequentar o local que considera seu principal momento de lazer. “Eu já fui um empresário forte, tive três lojas no Shopping Campo Grande. Aí sofri uma síndrome do pânico e tudo mudou”, relata. Após o episódio, espaços como o Gaúcho Bar passaram a representar um convite à desaceleração e à valorização dos pequenos momentos da vida. É o que reforça Carlos Frederico Rocha, de 50 anos, chefe de cozinha do Gaúcho. Além de funcionário, ele é morador da Vila Margarida até hoje. “É o lugar onde me sinto acolhido e tranquilo. Todo mundo me conhece aqui”, diz. Artista circense, hoje afastado de uma das profissões, Carlos conta que o bar onde trabalha ajudou, inclusive, a construir um personagem. “Eu sou paranaense, mas trabalho com o Gaúcho há muito tempo. Acabei ficando conhecido como Gaúcho. Criei uma identidade que não é minha, mas que virou parte de mim”, explica. No dia a dia, a identificação é imediata. “Eu passo de bicicleta, porque faço tudo de bicicleta aqui no bairro, e o pessoal chama: ‘e aí, Gaúcho?’. É um apelido que ficou”, conta. A identidade moldada pelo antigo Bar dos Dez Irmãos também faz parte da história de Maria Custódia dos Santos, filha de Seu Zé e uma dos “dez irmãos” que deram nome ao empreendimento do pai. Aposentada, aos 64 anos, ela é a segunda filha de José e acompanhou de perto o intenso movimento do bar, a partir de 1978. Sentada na varanda da casa do pai, ao lado do antigo bar, Maria lembra da importância do espaço para a construção da identidade do bairro. “Aqui era como se fosse um ponto turístico na época. O movimento maior era aqui, tudo acontecia aqui”, recorda. Tão apegado aos filhos a ponto de batizar o bar em homenagem a eles, Seu Zé aproveitava o expediente para estar perto da família. Maria lembra que, mesmo tendo um trabalho fixo, fazia questão de ajudar o pai. “Era muito gostoso. Sinto saudade. É uma lembrança boa”, diz. Família é uma palavra que atravessa a história da Vila Margarida. Na Rua Rio Negro, a maior do bairro, um clube de futebol carrega esse espírito no nome e na trajetória. O Clube Atlético Rio Negro foi fundado em 1976 e, até hoje, é um legado familiar. Rodrigo de Souza Gabriel, de 41 anos, é supervisor de mercadorias, mas divide a rotina com a responsabilidade de manter viva uma história iniciada pelo avô, passada ao pai e hoje conduzida por ele e pelo irmão. “A gente começou como uma família, mas pessoas de fora, do bairro, também foram se agregando ao time”, explica. Para Rodrigo, dar continuidade ao projeto é motivo de orgulho. “É prazeroso dar sequência a algo que começou lá atrás. Creio que meu avô, onde quer que esteja, está orgulhoso da gente por manter isso vivo”, afirma. Em meio a um verdadeiro santuário de troféus e fotografias antigas, ele conta que decidiu criar um espaço exclusivo para preservar as conquistas do clube. Nem tudo resistiu ao tempo. Algumas medalhas e taças não puderam ser recuperadas, devido à degradação. A tradição, porém, vai além do futebol. Às vésperas do Natal, Rodrigo mostra uma mesa com arrecadações de alimentos. A doação é feita anualmente a famílias em situação de vulnerabilidade social na Capital. A sede do clube, uma pequena sala construída no terreno da casa da família, acabou se tornando um ponto de visitação na Vila Margarida. “Muita gente passa, tira foto, pede para olhar. Pessoas que jogaram com meu pai, com meus primos, lá nos anos 1990 e 2000”, conta. O sentimento é compartilhado por Rodrigo. “Sinto muita alegria e gratidão por ter nascido nessa família, pela união do time. É só agradecer”, resume. Além de espaço de memória e solidariedade, a sede do Rio Negro também é local de confraternização. “A gente espera a semana inteira pelo fim de semana. Depois dos jogos, principalmente aos domingos, todo mundo vem para cá. As pessoas trazem os filhos, as esposas, a gente almoça junto”, relata. Segundo ele, a prática é antiga e segue sendo preservada. “É uma tradição que veio dos antigos, e a gente tenta manter. Isso une as pessoas”, afirma. Embora nascido do futebol, o amor pelo esporte não se restringe a uma única modalidade. Durante a conversa com Rodrigo, uma surpresa interrompe a entrevista. Tayná Calisto, sobrinha dele, de 16 anos, recebe das mãos da tia a confirmação de sua aprovação na bolsa atleta do SESI (Serviço Social da Indústria). Praticante de atletismo, Tayná cresceu cercada pelo esporte. “Eu sempre cresci nesse meio. Pensava: ‘não vou sair disso’. Mesmo não sendo futebol, continua sendo esporte”, afirma. Não apenas no sentido literal, mas também no figurado, a Vila Margarida é casa de muitas pessoas e histórias. O bairro abriga um sentimento fraterno que se tornou raro em grandes centros urbanos. Em dezembro, muito se fala em família. Na Vila Margarida, esse sentimento atravessa o ano inteiro. Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para acessar o canal do Campo Grande News e siga nossas redes sociais .