O vício em jogos eletrônicos tem crescido, afetando não apenas a saúde mental de jovens, mas também desencadeando problemas sociais e criminais. Recentemente, um caso chocante trouxe à tona essa problemática. Em maio deste ano, um adolescente de 16 anos, em São Paulo, matou seus pais e irmã após ser privado do celular e do computador.
A raiva acumulada pelo jovem, segundo seu depoimento, foi motivada pela retirada dos dispositivos que ele usava para jogar. Esse trágico episódio ilustra a relação entre o uso descontrolado de jogos e o surgimento de comportamentos violentos, ampliando o debate sobre os efeitos nocivos dessa atividade.
Leonardo Pereira, médico, doutor em psicologia e professor de medicina legal e perito, esclarece que o vício em jogos eletrônicos envolve um complexo circuito cerebral. “A dopamina, neurotransmissor associado ao prazer, desempenha um papel fundamental no ciclo de recompensa dos jogos. Entretanto, substâncias como serotonina e endorfina também estão envolvidas, o que torna o comportamento compulsivo ainda mais difícil de controlar”, explica Leonardo. Esse quadro pode resultar em sintomas de abstinência quando há restrição, como irritabilidade, ansiedade e até comportamentos agressivos, como o observado no caso do jovem em São Paulo.
A Nota Técnica “Proposta metodológica e legislativa para o controle de jogos veiculados em aparelhos celulares e o acesso para menores de dezoito anos” aborda o tema de forma clara e urgente. Pedro Sérgio dos Santos, doutor em direito público e mestre em criminologia, reforça o alerta sobre a similaridade entre o vício em jogos e a dependência química. “Assim como substâncias como cocaína, os jogos eletrônicos ativam o sistema de recompensa cerebral, gerando compulsão. O problema é que isso não só isola socialmente o jovem, mas também pode provocar um comportamento perigoso quando há privação”, destaca.
Confira a Nota Técnica “Proposta metodológica e legislativa para o controle de jogos veiculados em aparelhos celulares e o acesso para menores de dezoito anos” na íntegra no fim desta matéria.
A ausência de legislação específica sobre jogos eletrônicos para crianças e adolescentes agrava o problema. A legislação existente, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), foi elaborada antes da popularização dos jogos eletrônicos e não prevê mecanismos de controle específicos para essa área.
Além disso, faltam ferramentas de controle que permitam aos pais e autoridades fiscalizar e restringir o acesso a jogos quando necessário. A falta de punição aos fornecedores de jogos potencialmente viciantes também é um fator relevante. Enquanto a venda de drogas e álcool para menores é severamente punida, a oferta de jogos que podem causar dependência não enfrenta a mesma rigidez legal.
Do ponto de vista social, a dificuldade de controle parental é outra preocupação crescente. A participação da mulher no mercado de trabalho e a ausência da figura paterna em muitos lares tornam difícil a supervisão constante dos filhos. Além disso, a falta de conscientização sobre os riscos do vício em jogos eletrônicos contribui para a resistência na implementação de políticas públicas eficazes. A influência do mercado de jogos, com seu poder econômico, também dificulta a aprovação de legislações restritivas, como se observou em países como a China.
As consequências dessa negligência são graves. O aumento da criminalidade, comportamentos agressivos e problemas de saúde mental, como ansiedade e isolamento social, são sinais claros de que o vício em jogos eletrônicos pode ter um impacto devastador. O uso excessivo também afeta negativamente o desenvolvimento social, emocional e educacional de crianças e adolescentes.
O episódio de violência em São Paulo é um exemplo extremo das consequências desse vício. O adolescente, que conviveu com os corpos dos familiares por todo o fim de semana após o crime, revelou em depoimento que a retirada de seus aparelhos eletrônicos foi o estopim para o ato.
Este caso escancara o risco de não se ter um controle adequado sobre o uso de jogos eletrônicos, principalmente entre os jovens. O transtorno de comportamento gerado pela privação evidencia um colapso mental que, em casos graves, pode levar à violência.
Pedro Sérgio dos Santos, doutor em direito público e mestre em criminologia
Leonardo Pereira complementa, afirmando que o vício em jogos pode funcionar como um mecanismo de defesa para evitar enfrentar problemas da vida real. Ele aponta que o tratamento ideal inclui terapia cognitivo-comportamental, além de grupos de apoio e, em casos mais graves, medicamentos que ajudem a reduzir os sintomas de abstinência.
O jovem pode se refugiar no jogo para evitar conflitos ou situações indesejadas. Quando essa fuga é impedida, há uma ruptura no equilíbrio emocional, levando a explosões de raiva como vimos nesse caso”
Leonardo Mendes Cardoso, médico, doutor em psicologia, professor de medina legal e perito
A criminalização de atos violentos relacionados ao vício em jogos também é uma preocupação crescente. Pedro Sérgio ressalta a necessidade de uma legislação mais rígida que regule o acesso de menores a esses jogos. “O Brasil precisa avançar na criação de leis que protejam os jovens do uso indiscriminado de jogos eletrônicos. Atualmente, o ECA oferece proteção, mas carece de mecanismos específicos para enfrentar essa nova forma de dependência.”
Além dos aspectos legais, há também a questão da saúde pública. Uma pesquisa da USP revelou que cerca de 28% dos adolescentes brasileiros apresentam uso problemático de jogos eletrônicos, um número alarmante que exige políticas públicas de prevenção e tratamento. “Os pais têm um papel fundamental, mas a sociedade como um todo precisa estar atenta. Campanhas de conscientização e a implementação de ferramentas de controle parental mais eficazes são essenciais”, defende Leonardo.
A Nota Técnica sugere a criação de núcleos de monitoramento que possam rastrear o impacto do uso de jogos eletrônicos no comportamento dos jovens e na criminalidade associada. Pedro Sérgio acredita que esse monitoramento é essencial para entender a extensão do problema e desenvolver políticas mais eficazes. “Se tivermos dados concretos sobre a relação entre jogos eletrônicos e comportamentos violentos, será possível implementar ações preventivas e punitivas de maneira mais assertiva.”
No contexto familiar, o episódio de São Paulo serve como um alerta para que os pais prestem mais atenção ao comportamento de seus filhos. “A falta de diálogo e o uso excessivo de jogos podem se transformar em uma bomba-relógio. É preciso estabelecer limites claros, mas também buscar ajuda profissional quando o comportamento foge do controle”, recomenda Leonardo.
A tragédia familiar em São Paulo e os dados alarmantes de uso problemático de jogos no Brasil colocam em pauta a urgência de uma regulamentação adequada. “Se não houver uma intervenção legislativa e uma conscientização da sociedade, veremos mais casos de dependência, com consequências trágicas como essa”, finaliza Pedro Sérgio. O caminho para o controle do vício em jogos eletrônicos passa por um esforço conjunto entre legisladores, pais e profissionais da saúde.
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