“Levante” é um filme antenado com a ética e a estética da periferia paulista, além de corajosamente defender o direito de uma mulher a gerir seu próprio corpo
Depois de sair da Semana da Crítica de Cannes com o prêmio da crítica internacional (Fipresci), Levante, longa de estreia de Lillah Halla, chega aos cinemas. O projeto estava sendo preparado desde pelo menos 2015, mas chega às telas nove anos depois como se tivesse sido pensado e formatado exatamente hoje. É um filme antenado com a ética e a estética da periferia paulista, além de corajosamente defender o direito de uma mulher a gerir o seu próprio corpo.
Essa mulher é Sofia, 17 anos, estrela do time de vôlei local. Convidada para estágio no Chile com uma bolsa fundamental para sua carreira esportiva, ela descobre que está grávida de uma relação furtiva. A situação pode afastá-la do time em hora decisiva.
Contando com a ajuda vacilante do pai e o apoio da namorada, Sofia fará várias tentativas de realizar um aborto, deslocando-se até mesmo ao Uruguai. Nesse périplo, vai descobrir que nem toda ajuda é o que parece. É quando o filme concretiza sua mais importante denúncia: os grupos fundamentalistas que tentam atrair jovens grávidas para dissuadi-las do aborto e, se for preciso, ameaçá-las.
Para manter vivo o seu sonho profissional, Sofia conta também com o suporte de suas colegas de vôlei e da treinadora (Grace Passô), em ambiente de potente sororidade. O desfecho, porém, terá uma carga de amargura e ironia em meio a acontecimentos violentos. A persistência da moça não deixará de cobrar um preço avantajado. Há tempos eu não via um filme com happy end tão pouco feliz.
A forte identidade de Levante se faz tanto pelo tema quanto por seu estilo energético. O elenco, encabeçado por Ayomi Domenica Dias (filha do rapper Mano Brown), está literalmente impecável na proposta de uma encenação naturalista muito apurada. Esse naturalismo, porém, é frequentemente rompido pelas precipitações e rupturas de continuidade visual da montagem de Eva Randolph, complementada pela diretora. A fotografia da venezuelana Wilssa Esser é outro trunfo de qualidade na criação de uma atmosfera calorosa e estimulante.
O que senti falta em Levante foi de uma conexão mais orgânica entre o argumento principal – o drama da gravidez indesejada – e os elementos que buscam conferir contemporaneidade à história. O fato de todo o time de vôlei ser composto de mulheres trans ou de gêneros fluidos parece gratuito, assim como o conteúdo erótico aparente no namoro de Sofia e Bel (Loro Bardot) ou ouvido em algumas canções da pulsante trilha musical. A impressão é de que esses ingredientes foram simplesmente acrescidos ao plot central e atuam apenas como um colorido de superfície.
>> Levante está nos cinemas.
O trailer: