A imunização não nos trará uma solução mágica e repentina. Sonhamos em voltar aos hábitos antigos, mas nos adaptamos a um novo cotidiano que dificilmente será desprezado no pós-pandemia
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A imunização não nos trará uma solução mágica e repentina. Sonhamos em voltar aos hábitos antigos, mas nos adaptamos a um novo cotidiano que dificilmente será desprezado no pós-pandemia
Antes mesmo dos cientistas nos darem a boa notícia de que algumas das vacinas contra Covid-19 estavam prontas para serem aplicadas, muitos já tentavam desenhar um cenário pós-pandemia. Agora a vacina está mais próxima de nós, brasileiros. Já é uma realidade para europeus e norte-americanos. Mas ainda são divergentes as expectativas de como será o cotidiano após a imunização.
É certo: teremos nossa vacina. Mas teremos de volta o nosso antigo normal? Quão rápido conseguiremos voltar a viver como antes da pandemia? O que do “novo normal” vai sobreviver após a vacinação? São perguntas, que mesmo no inconsciente, estão latentes e permeiam nossos sonhos, desejos e angústias.
É comum a todos os impactos da ruptura rápida causada pela chegada da pandemia. Os padrões sociais, tanto da vida pessoal privada, quanto na coletiva, foram alterados em todos os níveis. Podemos citar como exemplo as relações de trabalho ou mesmo o desemprego, os cuidados mais regrados com a higienização, o distanciamento social, o uso da tecnologia para interação social, ensino remoto, a dependência dos serviços de delivery, a telemedicina e o hábito tão simbólico do uso de máscaras.
Essas mudanças, em alguns casos, só fazem parte de um processo que já estava em andamento e que foi acelerado pela crise sanitária do coronavírus. Nem tudo se tornou permanente em nosso cotidiano. Algumas dessas mudanças passarão a ser apenas alternativas aos padrões que já vivíamos no período pré-pandemia. Outras dessas transformações são apenas momentâneas, e se trata de um ‘novo normal’ que ninguém deseja sustentar.
A notícia de que estamos prestes a ter a nossa campanha de vacinação chega junto com as festas de fim de ano, período em que o brasileiro se apega muito como sinônimo de renovação. Mas o que a maioria busca para o novo ano são antigos cotidianos. O principal desejo é de poder voltar e se reunir, tocar e conversar sem medo. A vacina nos dá essa esperança de que tudo poderá voltar a ser como antes. Comércios, bares, restaurantes, espaços de lazer e turismo abertos sem restrições. Poder ir às ruas despreocupados com máscaras, álcool nas mãos ou distanciamento.
Em março deste ano, quando Luiz Mandeta ainda respondia pelo Ministério da Saúde, ele disse que “ter o antigo normal só quando tiver a vacina”. Um desejo já latente quando a pandemia ainda mostrava seus primeiros impactos no Brasil e as mortes causadas pela Covid-19 ainda assustavam a todos – hoje com quase 200 mil mortes, as pessoas parecem anestesiadas com a sequência de tantas perdas.
Hoje, quando se fala em voltar ao normal, estamos falando em uma disposição quase que geral. Mas diferente do que pensou Mandeta, ainda no início do ano, não vamos abandonar os hábitos adquiridos durante a pandemia de forma tão repentina. Não é indicado e nem será tão natural voltar ao que era antigamente.
Vislumbro dois motivos para que o velho normal não volte a fazer parte do cotidiano plenamente. A primeira razão mora nas mudanças significativas que vimos ocorrer. Aqui podemos citar o resgate da crença na ciência O que os médicos nos ensinaram sobre os cuidados que devemos ter conosco e de como isso reflete no coletivo, não devem ser esquecidos. O impacto social do distanciamento também mexeu de maneira íntima com a sociedade, de forma que foi preciso rever os nossos valores. O uso da tecnologia como meio para viabilizar o trabalho, a relação familiar e até mesmo para fazer compras vão ocupar espaços na sociedade num ritmo cada vez mais rápido, entre outras inúmeras transformações geradas pelo “novo normal”, e que representam uma evolução.
A segunda razão é que a pandemia não se finda tão rapidamente. Até parece um contrasenso ouvir cientistas dizendo que encontraram a vacina, mas que não é para deixar de se cuidar. Diante da euforia do anúncio da vacina, se somando às festas de fim de ano, especialistas imunologistas reforçam os pedidos de cautela. Há um medo de que as pessoas acreditem que as doses funcionem como um túnel do tempo, e que imediatamente após a vacina passe a ignorar a pandemia no anseio de voltar ao antigo normal. Não é esse o caminho.
O que os cientistas dizem: a vacinação é atividade crucial para colocar fim à pandemia. Mas ela não ocorre de forma mágica e instantânea. Desde o anúncio do Plano Nacional de Vacinação Contra Covid-19, os especialistas têm se adiantado em dizer que a tão esperada “imunidade de rebanho” só é perceptível após mais de 60% da população ter sido imunizada. Vamos observar que pelo calendário que o Governo Federal espera pôr em prática, o mais provável é que esse percentual só receba as doses no segundo semestre de 2021, ou no início de 2022.
As explicações dos cientistas me parecem amplamente convincentes. Deveriam ser entendidas e até compor as ações de publicidades governamentais. Tenho certeza que poderia ajudar a enfrentar o negacionismo e ampliar os cuidados entre uma nação que ainda sente as chagas da pandemia. Ou seja, vamos até restabelecer parte daquele velho normal, mas vamos com calma.
Em comemoração ao anúncio da vacina, um velho amigo, de forma alegre me disse: “Quero logo tomar essa vacina e deixar de me preocupar a cada vez que dou um espirro. Já perdi noite de sono achando que estava com Covid por conta de um leve reação a poeira”, disse, e emendou em seguida: “Mas tenho usado tanto álcool gel e máscaras que nem mesmo uma gripe eu peguei nesse ano. Esse será um hábito que não deixarei de ter.” A exemplo dele, sei que muitos anseiam o velho normal, mas também torcem para que nem tudo volte a ser como antes.
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