Sombra, rímel, blush, batom e cílios postiços. Esses materiais também são as ferramentas de trabalho do coletor de resíduos Flávio Damasceno, de 39 anos, que viu na maquiagem uma forma de expor sua arte para o mundo. O rosto dá lugar à tela e os pincéis promovem traçados delicados que realçam a beleza de cada face por ele maquiada.
E maquiar é apenas uma de suas habilidades, juntamente com a superação. Aos seis anos viu o pai ser morto em casa, quando dois homens chagaram no portão da residência da família, em Suzano, e dispararam contra os dois. Ele tomou dois tiros na cabeça, que o deixaram hospitalizado por cerca de 30 dias. O sentimento, que seria naturalmente de revolta, se transformou em criatividade. Além de maquiar, ele também dança break.
De olhar tímido, mas de mãos talentosas, Flávio concilia o trabalho de subir e descer dos caminhões para levar embora aquilo que as pessoas não precisam mais, com o trabalho de maquiador, desde 2017, levando colorido a pele de madrinhas, noivas e debutantes.
A inspiração para se tornar maquiador surgiu em 2006, quando se apresentou em um programa de televisão como dançarino de break. No camarim, prestes a entrar no palco, percebeu a magia de pintar o rosto e cogitou aprender as técnicas de maquiagem.
Porém, com medo do preconceito por ser homem e atuar na área da beleza, manteve o sonho guardado por cerca de 10 anos. Até que criou coragem e entrou em uma escola de maquiagem. “Eu achava que iam falar mal. Desde então fui alimentando esse sonho”, explicou Flávio.
O curso com duração de oito meses aperfeiçoou o talento do coletor. Assim, as mãos do homem que já havia trabalhado, inclusive, como marceneiro assumiram os pincéis. Para garantir ainda mais opções às clientes, fez também o curso de design de sobrancelhas.
“No começo do curso eu apanhava muito para pegar no pincel. Mas agora muitas mulheres dizem que já tenho a mão leve.” “Comecei varrendo rua, depois de três anos me passaram para coletor. Mas tive um acidente e rompi os ligamentos do joelho, quando operei e agora estou aqui ‘dentro’.”
O incidente deixou o trabalhador com problemas de locomoção. Então, ele está temporariamente fora das ruas, atuando na sede da empresa Consórcio Sorocaba Ambiental (CSA), onde trabalha. No mês do combate ao câncer de mama, conhecido pela campanha Outubro Rosa, maquiou as funcionárias da empresa. E esse carinho com as colegas de trabalho demonstra o amor dele pela maquiagem. “Só não faço maquiagem de velório”, brincou Flávio.
Apesar de realizar vários trabalhos, revela que ainda não é possível viver apenas da maquiagem e que o ofício de coletor, para ele, é sagrado: “Não dá para largar”, contou. Segundo Flávio, os rótulos não param por aí, já que costumam pensar também que ele tira outros proveitos do oficio de maquiador. A diferença entre suas duas profissões, conforme Flávio, não é compreendida por todos.
“Muitos pensam que faço maquiagem para ‘pegar mulher’, mas eu jamais me aproveitaria da profissão.” Tudo isso é levado na brincadeira e com muita classe pelo coletor. O maior número de maquiagens é feito, geralmente, aos fins de semana. Ele vai até a casa das clientes com os produtos de beleza e cobra de R$ 80 a R$ 150. Os preços variam conforme o tipo de maquiagem pedido pela clientela.
O trabalho começa com a limpeza da pele, que em seguida é tonificada e hidratada para receber os pigmentos, como a base. Esta, ao lado dos cílios postiços, são os materiais que mais exigem reposição na maleta do maquiador. Para Flávio, a dedicação nas duas profissões que tem em comum o “cuidar” nunca serão deixadas de lado. “As coisas ruins sempre vão ter, mas você decide se elas vão te abalar ou não”, completou o coletor. (Aline Albuquerque)
O post Coletor de resíduos descobre vocação artística como maquiador em Sorocaba apareceu primeiro em Jornal Cruzeiro do Sul.