Morreu nesta quarta-feira (19) o crítico de cinema Rubens Ewald Filho, aos 74 anos. Rubinho, como era tratado pelos amigos e colegas, estava internado desde o dia 25 de maio — quando sofreu uma queda da escada rolante de um shopping em decorrência de um desmaio provocado por uma arritmia cardíaca — no Hospital Samaritano, em São Paulo.
Entre os críticos, ele é conhecido como “o senhor Oscar”. Por seu grande conhecimento do cinema norte-americano, e do seu sistema de premiação, Rubens Ewald Filho foi mestre de cerimônias em diversas emissoras de televisão para comentar a transmissão da cerimônia do Oscar. Passou pela TV Globo e sua casa mais recente foi o canal por assinatura TNT.
Com essa atividade televisiva, Rubens se tornou o crítico de cinema mais famoso do País, ajudando a divulgar esse estranho e tão mal compreendido ofício de escrever, comentar e interpretar filmes, coisa de que todo mundo se julga capaz, por ser o cinema uma espécie de democrático “futebol das artes”. (François Truffaut dizia que todo mundo tem sua profissão: a sua própria e a de crítico de cinema).
Acontece que Rubinho é muito mais que o “homem do Oscar”. À sua maneira, foi um homem de sete instrumentos, todos eles afiados no campo das artes. Foi autor de novelas, ator, editor, escritor de livros e criador de festivais.
Seu posto avançado foi o jornalismo. Santista de nascimento, começou no jornal A Tribuna, onde até hoje assina suas críticas. Passou por outros jornais, como o mitológico Jornal da Tarde, onde talvez tenha vivido sua fase mais fértil como crítico de cinema.
“Caprichávamos demais no texto, havia entre nós essa mentalidade de fazer o melhor”, costumava dizer, meio que em tom de ressalva à atividade crítica atual dos jornais. Não se poupava a si mesmo, dizendo que havia escrito melhor no passado.
Rubens também é autor de livros, um deles – naturalmente – sobre o prêmio máximo do cinema americano (O Oscar e Eu, 2003). Mas também assina o famoso Dicionário de Cineastas, obra pioneira, surgida num mercado editorial brasileiro ainda carente de títulos de referência sobre o cinema. Todo crítico digno desse nome tinha o seu exemplar do Dicionário. O livro era chamado entre os colegas de “Rubinho”, tanto o autor se identificava com a obra.
Num país de pouco apreço pelos livros, Rubens conseguiu criar, em parceria com a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, a coleção Aplauso. Tratava-se de uma série de perfis de gente de cinema (depois estendida para o teatro), escritos por jornalistas profissionais, em colaboração com os perfilados. A coleção tornou-se referência de pesquisa e leitura, até ser “descontinuada” pela habitual falta de visão cultural das administrações.
Também mostrou sua faceta de gestor ao criar o Pólo Cinematográfico de Paulínia, com estúdios, escola de cinema e um festival que, em pouco tempo, alcançou prestígio nacional. Quase inútil dizer que, passados alguns anos, a fonte secou e mais um projeto promissor foi abandonado. Mas, enquanto durou, o complexo cinematográfico de Paulínia colocou a cidade petroleira no mapa cultural, produziu vários filmes importantes e manteve um festival entusiasmante.
Rubens é conhecido por sua cultura cinematográfica enciclopédica, tendo visto mais de 30 mil filmes ao longo da vida. Dono de memória privilegiada, sabia de cor o nome do diretor, do elenco, da equipe técnica e até do mais humilde extra dos filmes famosos. Dava show na cerimônia do Oscar, em especial na homenagem aos mortos do ano, em que, em segundos, relembrava as principais obras dos astros, estrelas, diretores, roteiristas, fotógrafos e figurinistas desaparecido no ano anterior. Isto não se improvisa. Quem sabe, sabe.
Com todas essas atividades ao longo da vida, Rubens ainda mantinha apreço particular pela escrita, que é a base de todo o crítico, não importa em que veículo esteja. Ele, que é nome de uma sala de cinema em sua cidade natal, escrevia todas as quintas em A Tribuna sobre a principal estreia da semana. Textos idiossincráticos, pessoais, escritos em primeira pessoa e que não disfarçavam suas preferências e gostos pessoais. Nesse sentido, era rigorosamente autoral. (Luiz Zanin Oricchio – Estadão Conteúdo)
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