A Editora Appris lança o livro “Banda de Música e Seu Maestro — Aliomar Baleeiro e o Golpe de 1964” (143 páginas), de Martina Spohr, no dia 22 deste mês. A obra já pode ser encomendada no site das livrarias. A autora tem pós-doutorado e é professora da Fundação Getúlio Vargas.
Baiano de Salvador, Aliomar de Andrade Baleeiro (1905-1978) integra o grupo de civis — Bilac Pinto, Adauto Lúcio Cardoso, Carlos Lacerda, Magalhães Pinto, Milton Campos, Petrônio Portella — que apoiou o golpe de Estado de 1964 e a ditadura civil-militar que durou 21 anos. Porém, assim como outros, não concordava com todas as medidas do regime de exceção. (É importante que acadêmicos gabaritados estejam estudando, de maneira objetiva e sem preconceitos, próceres da ditadura, que, de alguma maneira, permaneceram democratas, mesmo tendo apoiado o governo dos generais e, sim, dos civis. Falta uma grande biografia de Petrônio Portella, pelo qual o general-presidente Ernesto Geisel nutria grande respeito e que poderia ter se tornado presidente da República, se não tivesse morrido, em 1980, relativamente jovem, aos 54 anos. Afonso Arinos de Melo Franco e Bilac Pinto, admirado pelo ensaísta José Guilherme Merquior, também deveriam ser escrutinados por pesquisadores.)
O texto que se lerá a seguir toma como base a biografia escrita por Paulo Brandi para o “Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro Pós-1930”, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Aluno dos jesuítas, em Salvador, desde cedo Aliomar Baleeiro se revelou agnóstico (nem todos que apoiaram o golpe e a ditadura eram carolas religiosos ou direitistas fanáticos). Ingressou na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais da Bahia em 1921 e começou a trabalhar no jornal “A Imprensa”. Depois, foi repórter de “O Imparcial” e de “A Tarde. Seu guru político e intelectual era Rui Barbosa.
Ao se formar, em 1925, trocou o jornalismo pela advocacia, tendo como parceiro de escritório Luís Viana Filho, que, mais tarde, se tornou governador da Bahia.
Revolução de 1930 e prisão de Aliomar Baleeiro
Com a Revolução de 1930, Aliomar Baleeiro decidiu apoiar Juraci Magalhães, interventor federal na Bahia.
Em 1933, volta ao jornalismo, agora como diretor do jornal “O Estado da Bahia”. A publicação apoiava o interventor-governador Juraci Magalhães e o presidente Getúlio Vargas.
Dois anos depois, em 1935, filiado ao Partido Social Democrático (PSD), foi eleito deputado estadual constituinte.
A partir daquele ano, seguindo Juraci Magalhães, passou a criticar o governo de Vargas, sobretudo a “crescente centralização de poderes do governo federal”.
Pouco depois, em 1937, decidiu apoiar José Américo de Almeida para presidente da República. Ao lado de Juraci Magalhães, era contrário aos planos continuístas de Vargas.
Por discordar dos projetos golpistas de Vargas, Aliomar Baleeiro foi preso, no dia 9 de novembro de 1937. Quando Juraci Magalhães renunciou ao governo, por discordar do golpe do Estado Novo, em 10 de novembro de 1937, o jovem político o acompanhou na oposição ao governo ditatorial.
Sem mandato e perseguido, Aliomar Baleeiro retornou à advocacia e escreveu artigos contra o fascismo, na revista “Seiva”.
Retomando a atividade jornalística, assumiu a direção da revista “Fórum”, da Ordem dos Advogados do Brasil. Em 1942, Aliomar Baleeiro se tornou professor de ciências das finanças da Faculdade de Direito (atual Universidade Federal da Bahia).
Aliomar Baleeiro participou do I Congresso Jurídico Nacional, em 1943, no Rio de Janeiro. O advogado uniu-se aos cariocas e mineiros na crítica ao regime autoritário de Vargas e defendeu as “liberdades públicas”.
Os representantes de Minas e Bahia lançaram manifestos pela reconstitucionalização do país. Em outubro de 1943, foi publicado o Manifesto dos Mineiros, de matiz liberal-conservadora. Aliomar Baleeiro não conseguiu arregimentar forças suficientes para lançar um manifesto na Bahia.
Filiação à UDN e Constituição de 1946
A União Democrática Nacional era crítica da ditadura do Estado Novo e de Vargas. Com a queda do ditador, em 1945, a UDN lançou Eduardo Gomes para presidente da República, mas o brigadeiro perdeu para o general Eurico Gaspar Dutra, o candidato apoiado por Vargas. Na Bahia, Aliomar Baleeiro integrou-se à UDN, ao lado de Juraci Magalhães e Otávio Mangabeira.
Aliomar Baleeiro foi eleito deputado à Assembleia Nacional Constituinte. A UDN ficou com a segunda maior bancada de deputados, atrás apenas do PSD, e superando o PTB de Vargas e o PCB de Luiz Carlos Prestes.
Dado seu conhecimento jurídico, Aliomar Baleeiro foi peça chave na elaboração da Constituição de 1946.
De acordo com Paulo Brandi, “Baleeiro destacou-se por várias propostas em favor da autonomia municipal, sendo de sua iniciativa o dispositivo que beneficiou os municípios com uma percentagem do imposto de renda”.
O baiano e Vargas quase se engalfinharam, em agosto de 1946, no Congresso Nacional, no Rio de Janeiro. Aliomar Baleeiro chamou o ex-presidente de “baixinho gordinho e déspota inexpressivo”. De fato, era baixinho, gordinho e déspota. Mas nada tinha de inexpressivo.
O presidente Eurico Dutra, que era conservador, conseguiu agregar o PSD e a UDN em seu governo.
A Constituição de 1946 foi definida por Aliomar Baleeiro como “essencialmente conservadora e em alguns pontos reacionária, mas digna de todos os elogios” (o texto entre aspas é de Paulo Brandi, mas reflete o pensamento do político baiano).
Aliomar Baleeiro equivocou-se ao dizer que a Constituição de 1946 iria garantir “um regime de paz e prosperidade durante 40 anos”.
Deputado federal entre 1946 e 1951, Aliomar Baleeiro se tornou secretário-geral da UDN e aprovou o apoio do partido, associado ao PSD e ao Partido Republicano (PR), ao governo de Dutra.
Contra cassação dos parlamentares comunistas
Em 1947, o PCB foi colocado na ilegalidade e a Câmara dos Deputados decidiu cassar o mandato de seus parlamentares. Aliomar Baleeiro postou-se contra a cassação e defendeu a legalidade do Partido Comunista.
Na sucessão de Eurico Dutra, a UDN decidiu lançar, pela segunda vez, o militar Eduardo Gomes (“é bonito e é solteiro”, dizia-se) para presidente da República, em 1950. O PSD optou por Cristiano Machado. Vargas derrotou os dois e voltou ao poder. Aliomar Baleeiro foi reeleito deputado federal.
Alegando que Vargas não havia obtido a maioria absoluta dos votos (conquistou 48%), a UDN, articulada por Aliomar Baleeiro, solicitou à Justiça Eleitoral que realizasse novas eleições. Autorizado pela Justiça, Vargas reassumiu a Presidência, em 18 de janeiro de 1951.
Criadores da “Banda de Música”, Aliomar Baleeiro, Afonso Arinos de Melo Franco, Adauto Lúcio Cardoso, Olavo Bilac Pinto e José Bonifácio Lafayette de Andrada adotaram uma oposição cerrada a Vargas. O grupo era “afinado” nas críticas — uma espécie de orquestra corrosiva.
A “Banda de Música” criticava a política econômica do governo Vargas e denunciava a existência de corrupção, no Banco do Brasil, por exemplo. “José Bonifácio, Baleeiro e outros udenistas chegaram a comprar ações do Banco do Brasil para comparecer às suas assembleias e questionar a regularidade de suas contas.”
Criação da Petrobrás e as críticas da UDN
Quando Vargas apresentou o projeto de criação da Petrobrás, em 1951, Aliomar Baleeiro “e a maioria da bancada udenista” o criticaram acerbamente. Porém, ressalva Paulo Brandi, “assumindo uma perspectiva nacionalista. (…) Baleeiro foi um dos signatários do substitutivo apresentado por Bilac Pinto, propondo o monopólio estatal do petróleo, também assinado por deputados nacionalistas do PTB, como Eusébio Rocha”.
Paulo Brandi relata que “o artigo 1º do substitutivo Bilac Pinto, estabelecendo o monopólio estatal da pesquisa, lavra e refino do petróleo, foi entretanto aprovado pelo Congresso e incorporado ao projeto do governo, convertendo-se numa das peças básicas da Lei nº 2004, de outubro de 1953 que instituiu a Petrobrás”.
Aliomar Baleeiro aliou-se a Carlos Lacerda nas denúncias contra Vargas e o jornalista Samuel Wainer, em 1953. O governo federal financiava o jornal “Última Hora”, por intermédio do Banco do Brasil. A dupla da UDN “tentou sem êxito obter a cassação do registro do jornal”.
Sob pressão da UDN de militares, Vargas demitiu o ministro do Trabalho, João Goulart, que, ao elevar o salário-mínimo, desagradou elites e militares de alta patente. Em seguida, ancorada no apoio de generais e coronéis, a direita passou a atacar o presidente, com o objetivo de destitui-lo.
Em 9 de agosto de 1954, Aliomar Baleeiro “propôs pela primeira vez no plenário da Câmara o afastamento de Vargas”. Ele recebeu o apoio de Afonso Arinos de Melo Franco. “A quase totalidade da Marinha e Aeronáutica e grande parte do Exército colocaram-se contra Vargas.”
O golpe era iminente. Entretanto, com o suicídio de Vargas e com a ascensão do vice Café Filho à Presidência, o golpe foi travado. Café Filho nomeou um ministério com maioria de udenistas.
Aliomar Baleeiro foi reeleito deputado federal pela UDN. Lacerda pregou o golpismo para evitar que um aliado de Vargas, como Juscelino Kubitschek, cujo vice era o varguista João Goulart, chegasse ao poder. “Baleeiro não condenou explicitamente a tática golpista de Lacerda”, conta Paulo Brandi.
Depois, Aliomar Baleeiro e Adauto Lúcio Cardoso defenderam a legalidade.
Juarez Távora, com Milton Campos na vice, foi derrotado por Juscelino Kubitschek. Liberais brasileiros às vezes têm ideias fora do lugar. Tanto que Aliomar Baleeiro retomou a tese de que Juscelino Kubitschek, por não ter conseguido maioria absoluta, não deveria assumir a Presidência. Mais uma vez atuou em parceira com Carlos Lacerda e contra as leis da democracia.
Com o golpismo em ação, o general Henrique Lott, num contragolpe, garantiu a posse de Juscelino Kubitschek. Aliomar Baleeiro, Adauto Lúcio Cardoso, Oscar Correia, Mário Martins e José Bonifácio tentaram processar os generais que ficaram ao lado da democracia — Lott, Odilio Denis, Zenóbio da Costa e Olímpio Falconièrie —, mas deram com os burros n’água.
Segundo Paulo Brandi, durante o governo de Juscelino Kubitschek, “a Banda de Música da UDN voltou a se destacar pela tenacidade e agressividade de sua oposição ao governo”.
Conspiração com Castello Branco e golpe de 64
Derrotado em 1958, Aliomar Baleeiro deixou a Câmara dos Deputados e, convidado pelo governador Juraci Magalhães, assumiu a Secretaria da Fazenda da Bahia.
Em 1959, Aliomar Baleeiro, defensor da candidatura de Juraci Magalhães para presidente, atacou Jânio Quadros, que “não passava de uma bailarina política, à qual não deveria ser entregue a cabeça de João Batista”. Mas acabou tendo de apoiá-lo, assim como a UDN.
Em 1960, trocando a Bahia pela Guanabara, Aliomar Baleeiro foi eleito deputado estadual à Assembleia Constituinte do novo Estado pela UDN. Dois anos depois, foi eleito deputado federal pela Guanabara. Na sua campanha criticou virulentamente o governo de João Goulart.
A reforma agrária proposta por João Goulart foi criticada duramente por Aliomar Baleeiro. O deputado era contrário à “implantação da reforma agrária” por meio “de desapropriações pagas em títulos da dívida pública ao invés de moeda corrente”. A emenda foi rejeitada “com votos do PSD e da UDN”.
Em 1963, Aliomar Baleeiro e Bilac Pinto, com o apoio do general Ademar Queirós, passaram a conspirar com o general Castello Branco com o objetivo de derrubar o presidente João Goulart. Em 14 de março, o deputado informou a Castello Branco que o movimento golpista passara a contar com o apoio do general Amauri Kruel, que era “aliado” do governante.
Entre os dias 31 de março e 1º de abril de 1964, os militares derrubaram o presidente João Goulart. Era o golpe civil-militar. Mesmo tendo apoiado o golpe, Aliomar Baleeiro “contestou no plenário da Câmara a legitimidade das cassações decretadas pelos ministros militares”. Uma espécie de legalismo tardio de um liberal, insistamos, fora do lugar.
Castello Branco se tornou presidente da República, com o apoio de Aliomar Baleeiro. Mas o deputado rejeitou seu vice, José Maria Alkmin.
Aliomar Baleeiro apoiou o governo de Castello Branco e suas decisões arbitrárias. Defensor do capital estrangeiro, porque na sua opinião beneficiava o Brasil, o deputado, com o apoio de Raimundo Padilha, defendeu o projeto do governo que revirou a Lei de Remessa de Lucros.
Na disputa pela presidência da UDN, em 1965, Aliomar Baleeiro foi derrotado. Venceu Ernâni Sátiro, bancado por Carlos Lacerda e Magalhães Pinto, a ala mais reacionária e radical do partido.
Paulo Brandi assinala que a defesa do parlamentarismo feita por Aliomar Baleeiro tinha “o discreto apoio de Castello Branco”. Prevaleceu a opinião de Costa e Silva, ministro da Guerra, que era contra o sistema parlamentarista. Ele queria substituir Castello Branco na Presidência.
O AI-2, que criou a eleição indireta para presidente, extinguiu os partidos políticos e retomou as cassações de parlamentares, contou com o apoio de Aliomar Baleeiro.
Ministro do STF passa a criticar a ditadura
O número de ministros do Supremo Tribunal Federal passou para 16 e Aliomar Baleeiro, assim como José Eduardo Prado Kelly, Osvaldo Trigueiro, Adalício Nogueira e Carlos Medeiros, se tornou um deles. Milton Campos, Pedro Aleixo e Adauto Lúcio Cardoso, contrários ao AI-2, não aceitaram os postos de magistrados.
Aliomar Baleeiro tomou posse no STF em 25 de novembro de 1965. De acordo com Paulo Brandi, “distinguiu-se como um dos principais defensores das liberdades públicas, principalmente após a decretação do AI-5, em dezembro de 1968”.
Com o AI-5, a dita, que já era dura, ficou superdura. Assim, frisa Paulo Brandi, Aliomar Baleeiro “desiludiu-se com o regime dele decorrente, tornando-se um de seus mais contundentes críticos”. (Liberais que apoiam ditaduras, crendo que poderão torná-las mais moderadas, certamente merecem ser chamados, quem sabe, de nefelibatas. Aliomar Baleeiro, a rigor, não vivia nas nuvens, mas como pode um verdadeiro liberal acreditar que uma ditadura pode se manter, digamos, “aberta”? É, claramente, uma ideia fora do lugar.)
Em fevereiro de 1971, no governo de Emílio Garrastazu Médici, o ditador dos ditadores — ídolo do ex-presidente Jair Bolsonaro —, Aliomar Baleeiro assumiu a presidência do STF.
Paulo Brandi enfatiza que, “em dezembro de 1972, fez um dos primeiros pronunciamentos públicos contra o AI-5, denunciando as restrições ao Judiciário pela legislação de exceção”. Considerando que o país estava sob o tacão de Médici, o mais cruento dos ditadores, tratou-se de um gesto de coragem.
Em 1973, ao deixar a presidência do STF, registra Paulo Brandi, Aliomar Baleeiro “defendeu a volta ao Estado de direito e a imediata concessão de garantias para o livre exercício profissional de advogados de presos políticos”.
Em 1973, aponta Paulo Brandi, Aliomar Baleeiro “proferiu voto de grande repercussão ao solicitar a absolvição dos frades dominicanos acusados de ligação com o líder comunista Carlos Marighella, qualificando-os como ‘cidadão bem-intencionados, crentes extremados e de vida ilibada’”.
O STF reduziu “as penas dos religiosos de quatro para dois anos de reclusão. Graças ainda à jurisprudência estabelecida por Baleeiro, vários réus deixaram de ser condenados pelas acusações de portarem jornais clandestinos”.
Por motivo de saúde, Aliomar Baleeiro deixou o STF em 2 de maio de 1975. Assumiu a direção da Editora Forense e “defendeu insistentemente a volta ao estado de direito em inúmeros artigos, entrevistas e conferências”.
Aliomar Baleeiro morreu em 3 de março de 1978, aos 72 anos, no Rio de Janeiro.
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