Eduardo Bastos fala sobre os álbuns d'Os Tincoãs, Marina Sena e Julia Mestre
O Sobe o Som desse mês está diferente. Ao invés de focarmos apenas em um lançamento da música brasileira, por que não três? Partimos do lançamento de um álbum inédito d’Os Tincoãs, gravado em 1983 e que finalmente é apresentado ao público 40 anos depois. Seguido pelo tão aguardado segundo álbum de Marina Sena, e finalizando com o novo lançamento de Julia Mestre, artista que também faz parte da banda Bala Desejo. O Sobe o Som é uma iniciativa do #correio24horas, lançada no São João de 2021, para apoiar artistas da cena alternativa e falar de música brasileira.
Os Tincoãs - Canto Coral Afrobrasileiro
Gravado em 1983, o trio de Cachoeira formado por Mateus Aleluia, Dadinho e Badu se preparava para uma excursão na Angola, onde Mateus Aleluia permaneceria por 20 anos. Meses antes, eles se encontraram com o Coral dos Correios e Telégrafos do Rio de Janeiro para uma gravação que só veio ver a luz do dia 40 anos depois, no álbum ‘Canto Coral Afrobrasileiro’. Seis das 10 músicas são registros desse encontro, e as outras quatro estão na formação que consagrou o trio.
As músicas estão principalmente em iorubá e em banto, combinando a complexidade rítmica e melódica de temas do candomblé junto à sofisticação barroca da cultura católica. Isso porque, o radialista e produtor musical d’Os Tincoãs, Adelzon Alves, aproximou o gênero musical spirituals - cânticos religiosos entoados por corais de pessoas pretas do Sul dos Estados Unidos – do trio, para formar o verdadeiro coral afrobrasileiro.
Além do álbum inédito lançado pelo selo Sanzala Cultural, via Natura Musical, também foi disponibilizado ao público um making of com depoimentos de Mateus Aleluia - único integrante vivo -, o produtor Adelzon Alves e o maestro do Coral dos Correios e Telégrafos, Leonardo Bruno. Vale muito a pena conferir e conhecer um pouco mais sobre os bastidores do trio que carrega importância atemporal na cultura brasileira.
Marina Sena - Vício Inerente
O tão aguardado segundo álbum da cantora e compositora mineira, Marina Sena, já está disponível em todas as plataformas de streaming de música. Vício Inerente é um retrato das mudanças na vida da artista desde que saiu do ciclo alternativo para virar sucesso nacional, com direito a hit no TikTok com a música ‘Por Supuesto’. Em 12 faixas, Marina deixa o violão de lado e mergulha de vez em batidas que vão do funk ao trap, mescladas numa estética pop inovadora para o cenário brasileiro.
O álbum introduz o ouvinte num ambiente noturno e sedutor, com músicas que falam sobretudo de amor, desejo e empoderamento de si. Elas foram produzidas por seu namorado, Iuri Rio Branco, e lançadas pela primeira vez por uma grande gravadora, a Sony Music. Marina confessa que compor em pé dá outra atitude comparado às composições feitas no violão. E, sonoramente, é perceptível a atitude poderosa que a artista apresenta no novo álbum.
Sem medo de ousar, Marina utiliza bastante autotune nas novas músicas. O software que modifica a voz para ‘afiná-la’, por vezes, é mal-vista entre músicos e público. Mas, em entrevista à revista Claudia, Sena revela que utilizou como recurso sonoro para texturizar a voz. “Teve uma época que as pessoas me acusavam de usar autotune e eu nem utilizava. Eu só era afinada mesmo. Mas aí eu cansei e falei: ‘Quer saber? Agora vou colocar autotune em tudo também’. [...] Eu enxergo os meus vocais como um instrumento. Se distorcemos uma guitarra, podemos muito bem distorcer a voz para proporcionar uma textura inédita.”.
Uma coisa é certa: Vício Inerente dá uma sacudida necessária no cenário pop brasileiro, e abre o questionamento sobre o que virá depois dele. Se você não escutou ainda, precisa dar play para já!
Julia Mestre - Arrepiada
Julia Mestre é cantora e compositora carioca, mais conhecida por seu trabalho na banda Bala Desejo, que vem conquistando espaço no cenário da MPB alternativa, como também, se tornou meme na internet depois de sua apresentação no programa Cultura Livre da TV Cultura. Mas, antes de fazer parte da Bala Desejo, Julia já tinha alguns lançamentos solo, como o EP Desencanto, de 2017, e o álbum Geminis, de 2019. De qualquer forma, seu mais novo trabalho, o álbum Arrepiada, de 2023, é o que melhor apresenta a artista para o público que ainda não a conhece.
Arrepiada é um álbum cheio de parcerias com artistas da atualidade. Tem João Gil, dos Gilsons, Ana Caetano do duo Anavitória, Dora Morelenbaum que também faz parte de Bala Desejo, e a dupla Lux & Tróia, responsáveis pelo som do segundo álbum de Duda Beat. Além dessas colaborações de peso, o álbum - e a própria Julia - carrega uma referência pesada em Rita Lee, principalmente nas músicas Arrepiada e Deusa Inebriante. A segunda, inclusive, é um bolero com introdução muito parecida a música ‘Caso Sério’, lançada por Rita em 1980.
Seja no Bala Desejo ou em sua carreira solo, Julia Mestre bebe de referências musicais da MPB consolidada e transforma em algo novo. Mas em Arrepiada, ela vai muito além disso. É um álbum fluido, orgânico, gostoso de ouvir do início ao fim. Ele surfa entre diversos ritmos, que vai do pop rock, passa por um forrózinho, puxa um reggae em ‘Clama Floresta’ e segue intimista em ‘do do u’, só com voz e violão. Como a própria artista afirma: “É um disco para várias audições, para degustar devagar - camada a camada.”.